quarta-feira, 15 de abril de 2009

O GOLPE DE ESTADO DA MÍDIA

por Elitiel Guedes

O incrível bombardeio da mídia contra Chavez: documentário sobre a Venezuela é recomendável para o debate sobre a ética jornalística no Brasil.
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Existe um documentário irlandês que deveria ser exibido agora por todas as emissoras brasileiras de televisão, com caráter pedagógico, no auxílio às discussões que se travam na sociedade sobre ética e limites da atividade jornalística. Chama-se A revolução não será televisionada e aborda a situação política da Venezuela durante a tentativa de golpe contra o presidente Hugo Chávez, em abril de 2002. Dois cineastas irlandeses estavam em Caracas filmando um documentário sobre o governo Chávez e acabaram testemunhas privilegiadas de todo o processo golpista, devidamente registrado em película. É o que se chama de estar no lugar certo, na hora certa.Antes do golpe, a grande mídia venezuelana, controlada por poderosos grupos econômicos, já bombardeava Chávez, com matérias grosseiras, infundadas e de nenhum conteúdo jornalístico, visivelmente voltadas ao propósito de desacreditar o governo e seu principal mandatário. Imagens de televisão registradas pelo filme mostram comentaristas e apresentadores de tv afirmando que Chávez estava “fascinado de forma sexual, freudiana, por Fidel Castro” e que precisava de exame de “sanidade mental”.

A virulência midiática explicava-se pelo aumento da popularidade do presidente, suas posições e sua política. Em pronunciamentos públicos, Chávez condenava a mão invisível do mercado que a tudo ordena e pregava uma alternativa para a Venezuela. A população, antes alienada e alheia ao jogo político, mostrava interesse crescente pelas ações do governo, num processo crescente de politização, sempre assustador para as elites.
O conteúdo questionável das matérias veiculadas pelos principais meios de comunicação da Venezuela não reduzia a total liberdade de expressão no país. Os cinco canais privados de tv faziam campanha aberta contra o presidente, que usava a seu favor a única emissora estatal. Chávez tinha plena consciência do poder midiático e chama a atenção de seus colaboradores para a necessidade de comunicar bem as ações do governo nas visitas que faziam às diversas regiões do país. “A mídia local neutraliza a campanha da grande mídia”, afirma o presidente, durante reunião registrada pelas câmeras.
Depois de aumentar o controle sobre a produção e elevar os preços do petróleo, fonte exclusiva da má distribuída riqueza venezuelana, Chávez sofre forte oposição americana, que sempre teve na Venezuela fornecedor confiável e barato do produto. O ápice da tensão política chega em fevereiro de 2002, quando Chávez anuncia que colocará gente de sua confiança na PDVSA, a petroleira estatal, que sempre enriqueceu uma casta em detrimento da população. A luta de classes explode com toda a sua clareza. Nos bairros ricos, os oposicionistas ao governo se reúnem e pedem cuidado com o que se diz na frente das empregadas, fonte de informação do inimigo. Em manifestações de rua, desfilam em carros de luxo e gritam que Chávez quer fazer da Venezuela uma nova Cuba. Empresários vão a Washington pedir conselhos à equipe de Bush e o diretor da CIA, George Tenet aparece no vídeo falando com incrível sinceridade: “A Venezuela é o terceiro fornecedor de petróleo e não se importa com os interesses dos Estados Unidos”.
Estava dada a senha. Generais venezuelanos vão à TV e pregam a saída de Chávez. As emissoras convocam marcha rumo à sede da PDVSA, e os organizadores, empolgados com a manifestação decidem rumar para o palácio do governo. “Vamos ao palácio tirá-lo de lá”, afirma um dos locutores. A decisão era de extrema irresponsabilidade. Os apoiadores de Chávez já estavam reunidos em frente ao palácio, em solidariedade ao governo. A TV estatal adverte para o perigo do confronto, mas os oposicionistas não dão ouvidos. Os documentaristas irlandeses mostram que franco-atiradores disparam do alto de prédios numa evidente ação orquestrada.
O que veio depois é contado por um jornalista que deixou uma grande emissora de TV, por questão de consciência. As imagens foram manipuladas e editadas de modo que a responsabilidade pelas mortes ocorridas fosse atribuída a Chávez. A situação torna-se insustentável, e as câmeras dos irlandeses, as únicas no interior do palácio, mostram os últimos momentos do golpe, quando Chávez decide sair, sem assinar renúncia, para evitar um bombardeio a Miraflores. Todo o desenlace do golpe é acompanhado, de dentro do palácio, pela TV. “Que fique claro que é um golpe de Estado”, afirma a ministra do Meio Ambiente, dirigindo-se à câmera dos documentaristas, o último canal de comunicação que restava.
Imediatamente, os golpistas vão à TV e revelam todo o plano, em detalhes. Depois de agradecer nominalmente a cada emissora, um representante do grupo vitorioso conta toda a orquestração e os participantes do programa riem ao relatar que um dos vídeos pré-golpe fora gravado na casa do jornalista que apresentava o programa. A TV mostra militares e empresários se felicitando e transmite ao vivo, do palácio, as primeiras medidas do governo provisório, comandado pelo empresário que estivera em Washington pouco antes.
A população, sem nenhum canal de informação, começa a saber o que se passara por notícias veiculadas por uma emissora internacional a cabo. Aos poucos, as ruas vão sendo tomadas e o povo cerca o palácio do governo. A guarda fiel a Chávez cerca o palácio e detém os golpistas.
Os documentaristas registram a chegada dos ministros de Chávez, que estavam escondidos, a emoção e a tensão dos primeiros minutos do contra-golpe. A chegada de Chávez, de helicóptero, é filmada com a luz existente, num precioso documento histórico, assim como seu primeiro pronunciamento, no qual pede que a população volte às suas casas e que a oposição respeite a
Constituição. O golpe midiático chegava ao fim. Que não ressuscite agora que a população consagrou a permanência de Chávez na presidência, em um referendo constitucional, auditado internacionalmente.
Link: Site do Filme (http://www.chavezthefilm.com/).
Fonte: Comunique-se (http://www.comunique-se.com.br/).


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