terça-feira, 14 de abril de 2009

Cineclubes Como Expressão da Diversidade

por Elitiel de Souza Guedes


A relação comercial, unilateral e restrita que o modelo predominante de cinema estabelece com o público sempre gerou, ao longo do tempo, insatisfações que engendraram caminhos alternativos. Desta forma, os cineclubes se apresentam como o resultado dessas insatisfações e da disposição para mediar uma relação mais democrática entre o público e a obra cinematográfica, caracterizando-se pela livre expressão, circulação e acesso, assim como um espaço de intercâmbio cultural, participação e educação da sensibilidade.


Tais características, por um lado, tornaram essa modalidade alternativa de projeção marginalizada e ignorada pela maioria das esferas institucionais, enfrentando muitos obstáculos frente a regimes autoritários ou monopólios industriais. E, por outro, fizeram desses espaços, abertos à experimentação estética, fomentadores de novas criações audiovisuais que, não raro, transformaram-se em importantes centros de produção e cinematecas. E de onde também formaram-se grandes cineastas e outros artistas.


Os cineclubes se desenvolveram em diferentes situações histórico-sociais, culturais e nacionais, adquirindo uma coloração própria em cada contexto sem, todavia, deixarem de apresentar certos aspectos que os identificam em toda a parte. Esses podem ser considerados alternativos na medida em que representam uma matriz fundamental da produção e circulação audiovisual não mediada pelo mercado ou pelo lucro. Desse modo, assumiram formas organizacionais que os distinguem de outros centros culturais ou atividades ligadas ao cinema que o senso comum e a apropriação indevida reconhecem como cineclubes. Apresentam, como marcas próprias, uma organização com base na mobilização de seus associados, normalmente dispostos de forma horizontal, em função de objetivos não financeiros, voltando-se para fins culturais, éticos, estéticos e, dependendo do contexto, político-partidários ou religiosos. Em suma, são pelo menos três preceitos que regem os cineclubes:

1.a finalidade não-lucrativa;

2.a estrutura organizacional democrática;

3.o compromisso com a cultura.

O trabalho das salas de cineclubes, ao promover discussões e reflexões socioculturais, políticas e estéticas que incidem no debate público, propicia aos seus participantes, tanto exibidores quanto espectadores, uma visão mais ampla do cinema que permite melhor contextualizá-lo dentro da cultura. E é dessa maneira também que os cineclubes, desde sua origem, se destacam como agentes propositores de novos paradigmas para a atividade cinematográfica, bem como de políticas públicas que visam alcançar esses novos paradigmas.


O cinema, em sua forma preponderantemente comercial, é uma arte pouco acessível à população em geral. Estatísticas do IBGE apontam que atualmente existem entre 1.800 e 1.900 salas de cinema no Brasil, localizadas em apenas 7,5% dos municípios brasileiros. De acordo com o SEADE, dos 645 municípios do Estado de São Paulo, 100 possuem salas de cinema (num total de 570 salas). Destas, 94% estão concentradas na RMSP, sendo 40% só na capital. E a maioria delas nos bairros centrais e dentro de shopping centers, com os preços de uma sessão variando entre 7,00 e 14,00 reais. Números de 2002 mostram que o grande circuito exibidor de cinema teve apenas 8% de suas telas ocupadas por produções nacionais. Isso resulta na exclusão, mesmo daqueles que têm condições de freqüentar as salas de cinema, do acesso à produção cultural brasileira, contribuindo ainda com a formação de uma sociedade balizada por imaginários, referências, valores e desejos exógenos.


Por outro lado, já são mais de 200 cineclubes brasileiros, sendo 32 só na cidade de São Paulo, identificados na ocasião da 26ª Jornada Nacional de Cineclubes, realizada em julho de 2006, em Santa Maria pelo Conselho Nacional dos Cineclubes (CNC). A propagação dos cineclubes, bem como das projeções itinerantes e também das produções audiovisuais independentes é um fenômeno que se deve principalmente pela apropriação das novas tecnologias digitais. Os novos equipamentos de produção e exibição audiovisual são mais leves, mais simples e mais acessíveis, o que permite que cada vez mais pessoas tornem-se usuárias.


Nos dias de hoje, grandes possibilidades para a democratização dos meios de comunicação se abrem pela viabilidade que as tecnologias contemporâneas oferecem a apropriações e destinações coletivas e comunitárias. Ao dispor desses recursos comunicativos, grupos e associações de diferentes localidades podem melhor interagirem uns com os outros e intervirem em suas comunidades. As atividades cinematográficas alternativas, por sua vez, são capazes de contribuir para mobilização e sensibilização de consciências e criar um caldo de cultura para mudanças comportamentais e culturais.


A fluidez da informática e da eletrônica permite a combinação de diferentes técnicas e linguagens, e disso decorre a convergência de diferentes movimentos que atuam no campo das mídias alternativas. Assim, a prática cineclubista, com suas características e bandeiras originais, encontra-se hoje num contexto maior, associada à luta pela direito à comunicação e à flexibilização da propriedade intelectual e dos direitos autorais, juntamente com as rádios e TVs comunitárias.


Os cineclubes hoje representam um dos nós de uma ampla rede de informação que se constrói de baixo para cima, contrapondo-se às imposições do pensamento único pela grande mídia. Busca mudanças sociais por meio da libertação da produção cultural das amarras das forças de mercado, estabelecendo canais de expressões da diversidade e trazendo à tona a criatividade escondida nas pessoas

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